Os Obstáculos Enfrentados Pelos Meios Alternativos De Solução De Conflitos, Em Especial As Odrs, E A Possibilidade De Resolvê-Los.
O acesso ao Poder Judiciário é direito fundamental previsto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que assim preceitua: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Com uma visão mais ampla, o CPC de 2015, no art 3º, trouxe a disposição de que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
Portanto, seja através do Poder Judiciários ou por meio de outros mecanismos adequados à solução dos conflitos, todos os brasileiros têm o direito de acesso à justiça.
A massificação das relações, somada aos custos elevados e entraves na execução do litígio judicial, não atende às necessidades da sociedade contemporânea. Alternativamente, outros mecanismos adequados surgiram como meios de acesso à justiça, dos quais destacam-se a ADR (Alternatives Dispute Resolution) e ODR (Online Dispute Resolution), que ganharam força na aplicabilidade e desenvolvimento como formas positivas de composição pautados no dever de cooperação entre as partes.
Baseadas nos princípios da transparência, independência, consentimento e expertise, essas ferramentas foram aprimoradas com o uso das novas tecnologias e da internet, que contribuíram decisivamente para seu desenvolvimento, permitindo maior interação entre as necessidades e exigências da atualidade. Estudos demonstram que os mecanismos têm se mostrado céleres e eficazes, capazes de impedir o colapso do sistema judiciário.
Ocorre que, especialmente as ODRs, esbarram em obstáculos como o acesso amplo à internet e o direito fundamental instituído pela Constituição Federal que atribui ao cidadão o direito de sempre poder recorrer ao poder judiciário quando tiver seu direito lesado ou ameaçado. O primeiro será suprido ao longo do tempo, pois o acesso à internet no país vem aumentando significativamente. Além disso, os tribunais podem disponibilizar salas e equipamentos aos interessados. Em contrapartida, as questões pertinentes ao direito fundamental de acesso ao Poder Judiciários disposto no artigo 5º, XXXV da CF de 1988, merece maior atenção.
Diferentemente da regra geral de um processo judicial, cuja decisão transitada em julgado impede que a discussão sobre o mérito da demanda seja retomada, o meio alternativo extrajudicial não garante que a mesma questão, aparentemente resolvida, seja retomada junto ao Poder Judiciário.
Neste cenário, o mecanismo alterativo extrajudicial de solução de conflitos perde a eficácia e a confiança, pois pode ensejar retrabalho, desgaste, perda de tempo e até mesmo, inflar o conflito. Diferentemente das questões de menor complexidade, como as consumeristas, as questões de ordem trabalhista e familiar, por exemplo, não conferem segurança jurídica suficientemente ampla a evitar um posterior confronto judicial, mesmo após encerrada a demanda através do mecanismo alternativo extrajudicial.
Portanto, enquanto não homologado pelo Poder Judiciário, os conflitos resolvidos através dos meios alternativos, estarão suscetíveis à reapreciação em litígio judicial, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Observe-se que a lei 13.140/2015, no art. 8º, parágrafo único, ao tratar da mediação judicial como meio alternativo de resolução de conflito, submeteu os acordos entabulados à apreciação do juiz, que determinará o arquivamento do processo e homologará o acordo e o termo final da mediação por meio de sentença.
Na mesma linha de raciocínio, a justiça do trabalho ao promover a reforma trabalhista – Lei 13.467/2017, que acrescentou à CLT o artigo 855, letra B, e convalidou a possibilidade de realização de acordo extrajudicial voluntário entre empregado e seu antigo empregador, submeteu o acordo de jurisdição voluntária à homologação do juiz.
O art. 33 da lei nº. 9.307/1996 – Lei da Arbitragem – confere à parte interessada o direito de pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral.
Apesar do entrave a ser ultrapassado para o impulsionamento definitivo dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, há o crescente reconhecimento das cortes quanto à importância de incentivar esses métodos e atribuir-lhes confiança. Não apenas pela segurança jurídica, mas também para garantir que a vontade das partes, pactuada e formalizada, seja valorizada e respeitada. Resta clara esta intenção do Poder Judiciário quando analisamos os votos da SE-AgR 5.206, em que os Ministros afirmam que os mecanismos da lei da arbitragem são constitucionais. Acrescentam que não há ofensa ao art. 5º, XXXV da CF pelo o fato de a lei da arbitragem conceder às partes a faculdade de renunciar a seu direito de recorrer à Justiça.
Desta forma, a adequação da legislação, especialmente quanto aos óbices da Constituição Federal é medida necessária e urgente para resolver as questões de acesso à justiça através dos meios alternativos.
Neste quesito, o Brasil tem dado passos importantes como a proposta de integração da plataforma “Consumidor.gov” com o Poder Judiciário que está em fase de apreciação pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e a Associação Brasileira de Jurimetria- ABJ. A iniciativa deveria ser estendida a todas as demais plataformas.
Ferramentas como a homologação e auditoria de plataformas pelo Estado, a criação de juntas de apreciação judiciária dos acordos entabulados junto às plataformas de ODR, a renúncia prévia do direito de recorrer à justiça nos moldes dos parcelamentos administrativos fiscais e da lei da arbitragem, são possibilidades ora sugeridas para suprir entraves legais, superar a desconfiança cultural dos meios alternativos de solução de conflitos e otimizar o uso, especialmente, das ODRs.
Como visto, é preciso reconhecer que existem mecanismos de solução de conflito além do Poder Judiciário que facilitam o acesso à justiça e que têm resolvido problemas de maneira mais rápida, o que contribui para o crescimento econômico e social. Adequar a legislação de modo a fomentar e credibilizar o uso destes mecanismos é essencial e urgente, face aos inúmeros benefícios que os acompanham.