Os Contratos Eletrônicos como Título Executivo Extrajudicial e a Necessidade de Interferência dos Tribunais na Interpretação da Norma.
Com a evolução tecnológica os contratos eletrônicos tornaram-se cada vez mais frequentes. Indiscutível que o direito brasileiro abarca essa forma de contrato pois, conforme o disposto nos art. Art. 107 do Código Civil c/c 369 do Código de Processo Civil, vigora a liberdade de forma no nosso ordenamento jurídico. Porém, a legislação ordinária manteve-se conservadora e não incorporou mecanismos para as novas tecnologias. Deixou a cargo das leis especiais.
Uma dessa leis é a Medida Provisória nº. 2.200-2/2001 (1), que, entre outras providências, institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. Esta espécie de assinatura digital utiliza certificados digitais e criptografia assimétrica, o que afere eficácia probatória à assinatura e documento face à presunção da integridade e da autoria.
Por outro lado, o art. 784, III do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) exige que o contrato particular, para que tenha força executiva, esteja assinado pelo devedor e duas testemunhas.
Desta forma, ainda que demonstrada a higidez da assinatura com certificação ICP-Brasil no contrato eletrônico, a evolução tecnológica encontra barreiras na legislação federal vigente e a legislação especial não se mostrou suficiente para suprir a dicotomia encontrada.
Cabe aos tribunais, através da construção jurisprudencial, suprir lacunas como essa, enquanto não houver a adequação da norma.
Seguindo esta linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça estendeu a característica de título executivo extrajudicial aos contratos eletrônicos com assinatura ICP-Brasil, mesmo quando desprovidos da assinatura de duas testemunhas.
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em decisão exarada no REsp 1495920/DF (2):
“A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.
Destaca-se também o entendimento proferido no REsp 1438399/PR (3) que assim preceitua:
“A assinatura das testemunhas é um requisito extrínseco à substância do ato, cujo escopo é o de aferir a existência e a
validade do negócio jurídico; sendo certo que, em caráter
absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de
validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e
pelo próprio contexto dos autos, hipótese em que tal condição de
eficácia executiva poderá ser suprida”.
O posicionamento do Tribunal acompanha a necessidade da celeridade dos negócios frente às novas formas de contrato. A tecnologia tornou possível garantir a autoria e a integridade da declaração de vontade das partes através de outro meio que supre o papel das testemunhas.
Restou constatada a equivalência funcional do meio eletrônico ao mecanismo físico previsto em lei, de modo suficientemente capaz de conferir ao contrato particular eletrônico firmado com assinatura ICP-Brasil, a mesma função atribuída às testemunhas, qual seja, garantir a segurança e eficácia do contrato.
Além disso, é notório que atualmente, as partes não se reúnem mais para assinar contratos e muito menos na presença de testemunhas.
Assim, mostra-se imprescindível a atuação dos tribunais para tornar possível a adequação da legislação brasileira à aplicação dos meios tecnológicos, pois o Código Civil e o de Processo Civil não estão adaptados à evolução tecnológica e aos novos meios de celebração de contratos.
Engessar a interpretação da norma à literalidade da mesma é temerário e pode prejudicar a celeridade e desburocratização – benefícios que acompanham o uso da tecnologia. Entretanto, as decisões precisam ser cautelas no quesito segurança, observar a intenção do legislador e atender as necessidades da atual realidade em que vivemos.
(1) Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/MPV/Antigas_2001/2200-2.htm>. Acesso em: 28/06/2021.
(2) STJ, REsp 1495920/DF, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 15/05/2018, DJe 07/06/2018. Disponível em
< https://bit.ly/3A7oFch >. Acesso em: 21.06.2021.
(3) STJ, REsp 1438399/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/03/2015, DJe 05/05/2015. Disponível em
< https://bit.ly/3xZmJkc >. Acesso em: 21.06.2021.